Simplesmente Alice: A Jornada Terapêutica rumo à Liberdade

Sinopse: Alice Tate (Mia Farrow) é uma mulher da classe média alta que se sente entediada com os seus 16 anos de casamento e acaba se apaixonando por um charmoso saxofonista. Em busca de felicidade, ela encontra o acupunturista Dr. Yang. O médico percebe que o problema de Alice está em sua mente e resolve prescrever estranhas e misteriosas ervas que provocam reações inusitadas.

Nesta análise, vamos focar no processo terapêutico da personagem Alice.

O processo terapêutico é sempre desafiador, muitas vezes me faz lembrar das aulas de interpretação de textos que tinha no colégio. Era preciso ler o texto e tentar entender a história que estava sendo contada ali, sem julgamentos e preconceitos. Com frequência, ao interpretar o texto, acabava percebendo que a história contada era secundária, pois havia uma crítica importante nas entrelinhas. O processo terapêutico também nos faz esse convite, de olhar além da história que está sendo contada.

Quando Alice decide ir ao Dr. Yang, está sentindo cansaço e frequentes dores nas costas. Ela se surpreende com a afirmação dele de que seu problema não está nas costas, mas sim na cabeça e no coração. Ao ser hipnotizada, Alice conta como renunciou às possibilidades que havia traçado para si na juventude em termos de carreira e sonhos. Ela estava seguindo a vida que o marido apresentou para ela e às vezes sentia que ele nem percebia o quanto ela se esforçava para agradá-lo. Essa cena é importante, pois considerando que, para Boss, o adoecimento tem relação com a restrição da liberdade, a proposta de tratamento deve apresentar alternativas que levem Alice a resgatar sua liberdade e a se lançar nas possibilidades de existir. É exatamente isso que ela encontra nos efeitos produzidos pelas ervas oferecidas pelo Dr. Yang. Alice estava privada da sua liberdade de tomar decisões que dessem significado à sua existência, estava constantemente ponderando o que devia ou não fazer e, no final, não fazia nada.

Obviamente, o filme traz uma proposta fantástica e mesmo que fosse possível, muito provavelmente seria antiético aplicá-la em uma clínica real. No entanto, é interessante o paralelo que podemos fazer. Boss propõe que faz parte da tarefa do daseinsanalista permitir aos poucos que se formem espaços de abertura para que o paciente possa se abrir a novas possibilidades. Na clínica, podemos, de uma forma menos invasiva do que as intervenções do Dr. Yang, convidar o paciente a olhar para si e se redescobrir, encontrando abertura para as experiências.

Alice inicia o tratamento acreditando estar conformada com a vida que vivia. Aliás, sua vida nem era a sua queixa quando busca o Dr. Yang. Conforme vai experimentando as sensações proporcionadas pelas ervas, ela começa a questionar se está vivendo a vida que quer ou a vida que outros escolheram para ela. Sentia-se objetificada, sendo apenas um objeto que o marido podia exibir. Ao se permitir viver o relacionamento com Joe, ela se redescobre e percebe que possui capacidades que antes desconhecia ou ignorava. Percebe que o mundo é um lugar de realizações e que ela pode explorar as possibilidades. Mesmo experimentando a culpa de ter um caso extraconjugal, ela não resiste à experiência. Não é pelo caso em si, mas sim por finalmente estar escolhendo algo que a satisfaz e não apenas o que o marido espera dela.

Quando decide se separar, ela abraça as dificuldades e a liberdade de escolher quem quer ser. Tinha receio de que os filhos perdessem a capacidade de descobrir quem queriam ser, já que estavam crescendo em um ambiente que limitava suas perspectivas. No final do filme, ela está vivendo uma vida mais modesta financeiramente, porém se mostra mais feliz e confiante. Este filme é um paralelo importante para refletirmos sobre a nossa liberdade de ser e como viver uma vida inautêntica, onde não exploramos todo o nosso potencial, pode ser adoecedor.

Referências Bibliográficas:

BOSS, M. (1999) O Caso da Dra. Coblin.

EVANGELISTA, P. (2013) Transferência e resistência na psicoterapia daseinsanalítica de Medard Boss.

Simplesmente Alice (1990, dir. Woody Allen)

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