Breve análise do filme: "Toc toc", de Vicente Villanueva.

Sinopse: Quando um médico se atrasa para embarcar em um vôo no aeroporto, um grupo de pacientes com transtorno obsessivo compulsivo (TOC) precisa suportar as peculiaridades excêntricas um do outro, enquanto espera a chegada do doutor.

Qual é a dor que uma vivência que convida ao constante perfeccionismo pode causar? Como é viver se impondo normas e regras de ordem? Como é viver sem poder errar, com medo de desagradar, de não ser suficientemente bom para os demais? Como é viver com medo constante de perder o controle ou o medo de sentir? Essas são algumas dores que quem convive com o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) pode experimentar.

O filme “TOC TOC” é uma comédia que conta a história de seis pessoas que sofrem com TOC. Elas se conhecem na sala de espera de uma clínica, onde descobrem que todos estavam marcados com o mesmo terapeuta, o Dr. Palomero, no mesmo horário daquele dia. Enquanto esperam o terapeuta, que segundo a secretária se atrasou no embarque do voo, eles tentam organizar a ordem em que ocorrerão os atendimentos e conviver com as particularidades do TOC de cada um. Acabam dialogando sobre suas vivências, até que chegam ao consenso de iniciar a terapia em grupo, independentemente do profissional. Esta produção cômica, além de provocar boas risadas, permite a reflexão sobre o sofrimento vivenciado por pessoas que passam por situações similares e a respeito do efeito e dinâmica presentes na formação de grupos terapêuticos.

O TOC é caracterizado pela presença de obsessões e/ou compulsões. Obsessões são pensamentos, impulsos ou imagens recorrentes e persistentes que são vivenciados como intrusivos e indesejados, enquanto compulsões são comportamentos repetitivos ou atos mentais que um indivíduo se sente compelido a executar em resposta a uma obsessão ou de acordo com regras que devem ser aplicadas rigidamente (DSM-V, 2014, p. 235).

Pessoas que convivem com o TOC sentem muita dificuldade em resistir a um pensamento intrusivo (invasor, hostil e agressivo), acabam cedendo e têm dificuldade em pensar em coisas diferentes desses pensamentos que parecem dominá-los. Experimentam frequentemente sentimentos de ansiedade, angústia e culpa, temendo que algo possa acontecer consigo ou com pessoas próximas caso não cedam aos pensamentos e realizem os rituais comuns ao TOC (compulsões). 

No filme “Toc Toc”, cada personagem vivencia uma possibilidade do TOC, mas podemos perceber como a ansiedade se faz presente e como muitas vezes o comportamento compulsivos é uma maneira de aliviar a tensão causada pelos pensamentos obsessivos.

Eles foram inicialmente em busca de um acompanhamento individual, mas conforme vão interagindo na sala de espera, aos poucos começam a construir vínculos e formar um grupo com efeitos terapêuticos. O processo grupal se forma de maneira gradual, está em constante mudança e inicia-se quando pessoas que têm interesses em comum se reúnem. “O grupo é uma totalidade, não por desconsiderar as diferenças individuais de cada membro. Pelo contrário, os membros exercem influência individualmente sobre o grupo, fazendo com que ele esteja em constante movimento, mas sem deixar de ser “uma coisa só”” (GASPAR, 2017).

Alguns personagens demonstram sentir vergonha e constrangimento a respeito de seus sintomas, buscando maneiras de disfarçá-los e, em alguns casos, inclusive os negam. Pessoas que convivem com o TOC podem experimentar esses mesmos sentimentos. No filme, os personagens experimentaram alívio e aceitação conforme perceberam que, mesmo manifestando de maneira diferente, todos têm comportamentos compulsivos e pensamentos obsessivos. Conforme se empenharam para ajudar os outros a encontrarem alternativas para lidar com os sintomas, acabaram, por vezes, se distraindo dos próprios sintomas.

Assim como os personagens, é possível construir alternativas para não ficarmos tão reféns dos sintomas de TOC. Por exemplo, quando nos permitimos concentrar em outras tarefas, é difícil, mas conforme vamos desconstruindo as crenças fundamentadas pelos pensamentos obsessivos, podemos encontrar outras possibilidades menos dependentes de existir.

Pessoas que convivem com o TOC devem buscar um acompanhamento psicológico e, em alguns casos, se faz necessária a intervenção medicamentosa.

Referências Bibliográficas

Filme: “TOC TOC”. Direção de Vicente Villanueva. Produção de Mercedes Gamero, Gonzalo Salazar-Simpson, Mikel Lejarza Ortiz. Intérpretes: Paco León, Alexandra Jiménez, Rossy de Palma, Oscar Martínez, Nuria Herrero, Adrián Lastra, Inma Cuevas, Ana Rujas. Roteiro: Vicente Villanueva, Laurent Baffie. Espanha: Lazona Films, 2017. (90 min.), som, color. Legendado.

RIBEIRO, Jorge Ponciano. O Processo Grupal. In: Gestalt-Terapia: o processo grupal: uma abordagem fenomenológica da teoria do campo e holística. 4. ed. São Paulo: Summus, 1994. Cap. 2. p. 33-45.

GASPAR, Fabíola Mansur Polito. Do desassossego da culpa ao resgate da autoaceitação: um olhar gestáltico sobre o Transtorno Obsessivo-Compulsivo. In: Quadros clínicos disfuncionais e Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2017. Cap. 8, p. 111-166.

Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais [recurso eletrônico]: DSM-5 / [American Psychiatric Association; tradução: Maria Inês Corrêa Nascimento … et al.]; revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli … [et al.]. – 5. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre: Artmed, 2014.

2 Responses

  1. Amei o filme! Acabei de assistir aqui no meu not…kkk. Muito bom, eu sofro de TOC desde os meus 4 anos de idade e fiz 30 anos recentemente, a uns 15 dias. Fui diagnosticado pelo médico do CAPS, aos meus 23 anos, enquanto ainda estva na faculdade, estou em tratramento com remedios e aconpanhamento psicológico desde então. Também faço tratamento para Transtorno Bipoloar, diagnosticado pelo psquiatra a 3 anos atrás. Gostei muito da sua anlisé deste filme, e me identifiquei com todos os personagens….pois tenho todos esses sintomas…kkk… É muito díficili se controlar e esconder das pessoas…dos meus alunos…mais a cada tropeço vou melhorando….Já tive mais de 12 psiclogos, e uns 6 desistiram do meu caso pois eu vivia chegando atrasado nas consultas….. Talvez eles(as) não intendessensem o quanto grave é e o quanto eu tento ser agradavel nas convesas durante as seções. Agradeço de coração pela sua ánalise do filme, muito obrigado!

    agora já são 04:10h da madrugada; assisti o filme e vim procurar alguma anallíse, a sua foi otima.

    Leonardo
    Professor de Ciências Naturais
    Graduado Pela Universidade Federal do Amazonas

    1. Olá, Leandro. É ótimo saber que você gostou e que as reflexões fizeram sentido para você. Imagino os desafios que podem ser conviver com o TOC, e infelizmente, nem sempre as pessoas conseguem compreender as características que afloram, resumindo-as à falta de compromisso, ao exagero e aos vários outros adjetivos que estão muito distantes do sofrimento real. O mais importante é que você esteja cuidando. Continue com seus acompanhamentos, pois eles são fundamentais para que você tenha uma melhor qualidade de vida e possa reduzir alguns dos sintomas.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Aproveite para ler outros posts

Amor e outras drogas

O medo de estar sozinho dificulta o encontro consigo mesmo e, por consequência, dificulta o reconhecimento do que realmente é importante para si.

Leia mais »

Cadastre-se para receber a minha newsletter e fique por dentro sempre que sair um novo post

Este site utiliza cookies para melhorar a sua experiência de usabilidade. Ao continuar a utilizar este site, você concorda com a nossa política de privacidade.