Sartre e a Liberdade Existencial: Reflexões na Prática Psicológica

Sartre explica que “a existência precede a essência”. Segundo ele, isso significa que o homem não é pré-determinado, ou seja, não tem uma função previamente estabelecida, e por isso é livre para ser o que quiser. Sartre diz: “O homem, tal como o existencialista o concebe, só não é passível de uma definição porque, de início, não é nada: só posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de si mesmo.”

Quando pensamos nessa concepção de existência na prática psicológica, é possível convidar o paciente a refletir sobre as suas possibilidades de existir e a assumir a sua responsabilidade pela própria existência. Sartre explica que escolhemos até quando nos omitimos da função de escolher, escolhendo, nesse caso, não escolher. Seguindo esse pensamento, é possível convidar o paciente a assumir a responsabilidade de mudar o que está incomodando em sua vida, o que cabe exclusivamente a ele.

Não cabe ao psicólogo discutir se Deus existe ou não, mas é muito interessante a possibilidade que Sartre abre quando afirma que Deus não existe. Isso torna possível convidar o paciente a refletir se ele faria escolhas diferentes se Deus (ou a moral que o impele a agir de uma certa maneira) não existisse. Se a culpa que a moral cristã estabelece sobre a sua vida não está levando-o a renunciar a escolhas que o fariam se sentir mais realizado. A partir desse lugar, é possível refletir que mesmo quando existe um Deus, ainda somos os únicos responsáveis pela nossa existência. Outra possibilidade que essa reflexão permite desenvolver junto com o paciente é quem ele tem sido. Se suas escolhas dizem sobre a maneira que ele escolhe se apresentar ou se são apenas como são por estar seguindo uma moral determinada, pelo medo ou pela culpa, por exemplo.

Para Sartre, o homem “está condenado a ser livre”. Ele explica que está condenado, pois não se cria e não tem uma função determinada a seguir. Por isso, é responsável por tudo o que faz. É o único responsável por si e por seus atos, pois é o único que pode escolher. Eu entendo que essa liberdade não é uma ação egoísta que permite ao homem simplesmente fazer o que deseja sem nenhuma consequência. Muito pelo contrário, exatamente por ser livre, é extremamente responsável por tudo o que faz. Segundo Sartre, ao agir, você acaba indicando aos outros como eles também devem agir. Por isso, ele convida a sempre questionar “e se todos agissem como eu?” Isso é muito interessante, pois permite se responsabilizar por suas ações sem uma moral ética determinada, mas a partir de uma percepção individual.

Esse conhecimento na prática psicológica permite convidar o paciente a refletir, por exemplo, como as suas vivências semelhantes podem ter relação com as escolhas que faz. Aqui não estou colocando em questionamento as consequências que a pessoa sofre e que têm relação com escolhas que outras pessoas fazem (como um assalto, por exemplo), mas sim com escolhas que a própria pessoa faz e que a coloca à mercê das ações dos outros. Por exemplo, pessoas que estão sempre em relações abusivas. É possível convidar o paciente a refletir sobre o que o leva a escolher relações em que ele está sempre renunciando à sua liberdade de escolher e entregando a outro esse poder. Claro que, quando se trata de um relacionamento abusivo, o abusador tem sua própria responsabilidade a ser considerada, mas na prática clínica, convidamos o paciente a pensar em como se responsabilizar pela própria existência e em quais possibilidades pode se lançar para sair de um contexto que o incomoda e fere. Desta maneira, como a liberdade de Sartre aponta para o futuro, é sempre possível convidar o paciente a refletir sobre o que deseja fazer da sua vida de agora para frente. Não que vamos ignorar o sofrimento vivenciado, mas é possível observar se não há outras possibilidades de viver além do que já passou.

Referências Bibliográficas:

SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Paris: Les Éditions Nagel, 1970. 28 p. Tradução de: Rita Correia Guedes.

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