Os Miseráveis: Afetividade e Transformação
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Sinopse: Anos depois de desaparecer nas selvas da África, o antropólogo Ethan Powell ressurge quando é acusado de ter assassinado dois caçadores que matavam os gorilas que ele estudava. Depois de passar um tempo vivendo com os primatas e sem qualquer contato humano, Powell parece estar desequilibrado. O psiquiatra Theo Caulder é chamado para tentar se comunicar com o homem retraído e irado, que pode ser mais sábio e mais saudável do que parece.
O antropólogo Ethan Powell, a fim de ser aceito pelos gorilas, optou por deixar de lado a tecnologia e aquilo que conhecia como o mundo civilizado. No entanto, surge a questão: terá ele deixado de ser humano nesse processo? O filme “Instinto” revela que, apesar de ter renunciado, em diversos aspectos, ao que consideramos civilizado, Ethan Powell não deixou de se reconhecer como um ser humano. Ele torna isso claro ao comunicar ao psiquiatra Dr. Theo Caulder: “Vivi como um homem vivendo com animais, como os humanos viviam há 10 mil anos, sabíamos como viver no mundo, antes…”. Esta é a resposta de Ethan à observação do médico, que o considera intrigante por ter vivido quase dois anos como um animal.
Ethan, mesmo convivendo com os gorilas, mantém uma percepção de sua própria existência e finitude, tornando-se um Dasein. Podemos afirmar ao perceber que ele questiona o propósito de ser e compreende sua própria liberdade. Essa consciência torna-se evidente quando ele percebe que não necessita ser apenas o antropólogo que estuda e registra o comportamento animal; ele permite-se experimentar viver entre os gorilas. Ao adotar esse modo de vida, experimenta uma sensação de paz que não experimentava no mundo civilizado. Ele abre-se para experimentar afetos e construir vínculos de confiança que, devido à necessidade de controle, eram anteriormente evitados, ou pelo menos não aconteciam na mesma medida.
Ethan não deixa de questionar o mundo e a forma de Ser-no-mundo daqueles que ele chama de dominadores, inclusive da forma como ele próprio viveu. Ele é consciente de tudo o que abandonou ao escolher afastar-se do mundo que consideramos civilizado e passar a viver entre os gorilas. Isso fica claro, por exemplo, quando, durante um passeio com os gorilas, depara-se com um animal morto numa armadilha. Enquanto os gorilas seguem em frente sem questionar o significado, Ethan observa o animal e questiona. Ele é consciente de sua própria finitude e da finitude dos outros seres, optando por não assumir mais a responsabilidade por mortes como aquela. Ele descarta o facão e a nova interpretação que atribui a ele (a morte). Outro momento em que a sua percepção do mundo fica evidente é quando ele lamenta com a filha a relação comprometida entre eles. No entanto, é notável que, apesar do lamento pela perda de certos aspectos da vida e convivência com a filha, sua escolha de vida é crucial para encontrar sentido em sua própria existência, e ele compreende que a responsabilidade pelo sentido de ser é individual.
Ethan sente-se culpado por atribuir o ataque sofrido pelos gorilas aos guardas florestais à sua própria presença. Ele assume a responsabilidade pelo cuidado desses seres, uma vez que eles fazem parte do seu mundo e conferem sentido à sua existência. Isso o leva a reagir contra os ataques, resultando na morte de alguns guardas. Ao regressar à civilização e conviver com o Dr. Caulder, Ethan opta por compartilhar suas experiências. Contudo, em vários momentos, ele convida o psiquiatra a abandonar sua abordagem científica e, em vez disso, ouvir o que ele tem a compartilhar. Somente quando o Dr. Caulder compreende as percepções ilusórias que o cercam e entende que os atos de Ethan, tanto ao matar os guardas na floresta como ao atacar os guardas na prisão, foram movidos por uma atitude de defesa e cuidado para com seus companheiros (humanos e gorilas), ele consegue apreender a perspectiva de Ethan e sua relação com o mundo. Esse entendimento leva o próprio Dr. Caulder a questionar sua própria relação com o mundo.
Referências Bibliográficas:
Instinto. TURTELTAUB, Jon (Diretor). Produção de Michael Taylor e David Hoberman. Estados Unidos: Touchstone Pictures, 1999. 2 DVDs (123 min).
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