Análise dos Sonhos em Morangos Silvestres: Heidegger e Boss

Sinopse: O rabugento médico aposentado Isak Borg viaja de Estocolmo para Lund, na Suécia, com sua nora grávida e infeliz, Marianne, para receber um diploma honorário da universidade onde estudou. Ao longo do caminho, eles cruzam com uma série de caroneiros, cada um deles fazendo com que o médico idoso reflita sobre os prazeres e as falhas de sua própria vida, incluindo a vivaz jovem Sara, que se parece muito com o próprio primeiro amor do médico.

 

Observando o sonho narrado por Borg, é possível perceber que as caminhadas matinais faziam parte da sua rotina de vigília; por isso, o sonho só lhe pareceu estranho quando, apesar de reconhecer a cidade, não conseguia identificar a região em que estava, além do fato dos relógios estarem sem os ponteiros. Ao acordar, ele aparenta sentir-se confuso e parece fazer uma checagem para determinar se foi realidade ou um sonho. Para isso, verifica o relógio ao lado da cama e observa pela janela. Segundo Heidegger, recuperar o mundo da mesma forma como o deixamos ao acordar de um sonho é o que nos permite reorganizar.

Boss acredita que há uma forma distinta de experienciar o estado onírico e o estado de vigília. No estado de vigília, além de vivenciarmos e sentirmos o que é apresentado no momento presente, também podemos recordar ou esperar algo, ou seja, podemos experimentar possibilidades do passado, presente e futuro. Já no estado onírico, para ele, isso não é possível, pois nos sonhos lidamos apenas com o que está ocorrendo no momento. Assim, durante um sonho, atuamos mais como espectadores e participamos do que acontece sem a capacidade de tomar decisões ou interferir. Durante várias situações do sonho, Borg demonstra passividade diante do que ocorre, apresentando emoções como medo e susto, por exemplo, mas sem conseguir tomar decisões significativas. Isso difere do estado de vigília, quando, por exemplo, decide não viajar de avião e opta por ir de carro.

Heidegger explica que o mundo do sonhador se assemelha a uma biografia, pois o sonho depende dos acontecimentos vividos durante a vigília, e é nesta última que os sonhos podem ser compreendidos. Para ele, “o sonhar deve ser compreendido como um mundo possível no qual o sonhador se movimenta”. Portanto, para compreender os aspectos do sonho de Isak Borg, é fundamental também entender sua história. Conforme o filme se desenrola, é possível compreender que o personagem tinha diversas questões pendentes em sua vida que o impediam de progredir, deixando-o, de certa forma, preso ao passado. Essas dificuldades refletem em seu sonho, expressas tanto pela falta de marcação do tempo quanto pela carruagem emperrada.

Heidegger esclarece que, mesmo em sonhos que apresentam uma narrativa, os conteúdos são significados atribuídos a algo vivido na vigília; portanto, a temporalidade não é vivida no estado onírico como acontece quando estamos acordados. Assim, não é possível retomar o sonho de onde paramos, significando que, embora algo possa nos incomodar nos sonhos, só pode ser resolvido na vigília. Por isso, é de extrema importância que Isak Borg permita-se experimentar as possibilidades de abertura que a viagem lhe proporciona. Dessa forma, ao examinarmos um sonho, devemos também considerar a história de vida do sonhador, pois esses aspectos não estão desconectados. No sonho, o sonhador tem a chance de vivenciar aspectos de sua história de uma maneira que não conseguia conceber durante a vigília, oferecendo-lhe um modo de ser-no-mundo.

Referências bibliográficas:

BERGMAN, Ingmar. Morangos Silvestres. Filme. 1957.

BOSS, Medard. Na Noite Passada Eu Sonhei… 3ª edição. São Paulo: Summus, 1979. Coleção Novas Buscas em Psicoterapia, volume 9.

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