A Busca pela Felicidade e a Psicologia Gestáltica: Análise do Filme 'À Procura da Felicidade'
Autoras: Joyce Garbazza e Camila de Jesus Maciel
Sinopse: O filme “À Procura da Felicidade” narra a história de Chris Gardner, interpretado por Will Smith. Ele e sua família enfrentam um momento em que tudo na vida parece dar errado. Chris investiu todas as economias da família em aparelhos que prometiam revolucionar a medicina, mas o alto custo do produto resultou em vendas aquém do esperado, levando a família a uma complicada situação financeira. Linda, sua esposa, frequentemente pressiona Chris a encontrar soluções para os problemas que enfrentam, e o casamento se desgasta diante de brigas, dívidas e falta de perspectivas para soluções. Linda decide sair de casa e leva consigo Christopher, o filho do casal. Quando Chris percebe que o filho não está em casa, entra em desespero e entra em contato com a ex-mulher para afirmar que não abrirá mão do filho. Assim, inicia um processo de paternidade solo para manter o filho próximo.
A sociedade ocidental contemporânea é marcada pelo egocentrismo, o que compromete as conexões entre as pessoas, levando a relações superficiais que causam sofrimento e solidão (CARDOSO, 2019). Logo nas primeiras cenas do filme, diversas pessoas passam umas pelas outras, caminhando rapidamente, parecendo completamente alheias ao que as rodeia, a ponto de ignorarem um homem caído na calçada, como se ele nem estivesse ali. Essa cena evoca um sentimento de solidão, mostrando como as pessoas não conseguem, ou pelo menos não aparentam, demonstrar consideração pelas necessidades alheias, concentrando-se apenas em si mesmas. Essa solidão parece acompanhar o protagonista quase durante todo o filme, dando a sensação de que ele não tem ninguém além do filho em quem se apoiar.
Chris está vivenciando uma série de gestalts inacabadas, o que gera estresse e tensão. Ele tenta priorizar e resolver essas situações para fechar as gestalts e aliviar as tensões, mas muitas vezes vê as situações saindo de seu controle e o forçando a um ajustamento criativo (quando são despejados do apartamento, faz um acordo com o proprietário para ganhar mais tempo para se organizar, muda-se para um espaço menor e, portanto, mais barato, quando é surpreendido com impostos e fica praticamente falido, já que todo o dinheiro é retido, e novamente é despejado, procurando locais seguros para ele e o filho dormirem). Segundo Perls (1978), nossas necessidades, mesmo relacionadas diretamente à sobrevivência, têm uma relação de figura e fundo, em que a necessidade dominante é a figura e todas as outras são o fundo para essa necessidade. De forma geral, a vida de Chris está desequilibrada e ele busca homeostase. Para Perls (1978), “o processo homeostático é aquele pelo qual o organismo mantém seu equilíbrio e, consequentemente, sua saúde, em várias condições”.
Chris e Christopher estabelecem uma relação em que o afeto, o cuidado e a confiança estão sempre presentes. Mesmo quando Chris parece distraído com outras preocupações e aparentemente não ouve o que o filho diz, a prioridade dele é o bem-estar do menino. Essa relação toca profundamente Chris, e ele está disposto a fazer de tudo para preservar o vínculo entre eles. Conforme Ribeiro (1997), o contato é a capacidade de relacionar-se consigo mesmo e com os outros em um “processo no qual as funções sensoriais, motoras e cognitivas se unem em uma interdependência dinâmica complexa, gerando mudanças na pessoa e na relação com o mundo, por meio da energia de transformação que opera em total interação na relação sujeito-objeto”. É por meio do contato que somos capazes de refletir sobre nossa existência e a do outro, perceber-nos como seres individuais e seres que compartilham uma existência com outros seres. Existe contato pleno nessa relação, mesmo que Chris nem sempre esteja plenamente consciente da relação, o vínculo entre eles impulsiona Chris a melhorar. Ele enfatiza a importância do filho em sua vida quando pergunta se Christopher é feliz: “Diga uma coisa, você é feliz? Porque eu sou feliz. Se você é feliz e eu sou feliz, isso é bom, não é?”
É interessante observar como Chris se relaciona com os diversos campos ao seu redor. Com a esposa, a relação muitas vezes se baseia em projeções, em que ela despeja nele sua insatisfação e o critica diante das possibilidades que ele apresenta. Por exemplo, quando ele menciona que tentará uma vaga como corretor de ações e ela pergunta se ele também não deseja ser astronauta. Ele até pede que ela não fale com ele daquela maneira, pois compreende que esse sentimento de frustração é dela. Essa autoconsciência que Chris tem, reconhecendo suas qualidades e potencial, mostra-se fundamental para que ele supere criativamente as diversas adversidades ao longo do filme. Em outra cena, com o filho, Chris projeta nele sua própria frustração quando o menino diz que quer ser jogador de basquete. O pai responde que ele não será um e não deveria desperdiçar energia nesse esporte, pois ele poderia ser bom em muitas coisas, mas provavelmente não no basquete. Essa cena é marcante, pois Chris, ao perceber a reação do filho, o convida a não internalizar essa afirmação, dizendo que os outros não podem determinar se ele será capaz ou não de realizar algo, e que ele deve acreditar e buscar maneiras de viabilizar seus próprios sonhos, independentemente do que os outros pensam ou dizem. As dificuldades de Chris e Linda em trabalhar os bloqueios de contato na relação provavelmente contribuíram para o divórcio, enquanto a busca de manter contato com o filho ajuda a manter o vínculo afetivo entre eles.
O filme propõe que não devemos desistir de buscar possibilidades mais positivas e que a felicidade é um processo pelo qual somos responsáveis em construir à nossa própria maneira. O que mais chama a atenção é como o ajustamento criativo é fundamental para que o protagonista compreenda como lidar com as adversidades que enfrenta. No final do filme, ele experimenta a satisfação ao perceber que conseguiu o emprego, e muitas gestalts serão fechadas simplesmente por ele garantir estabilidade financeira. Importa destacar que o filme não coloca a felicidade ou o sentido da vida em possuir, mas sim em construir possibilidades que gerem satisfação.
Referências Bibliográficas:
“À Procura da Felicidade” (The Pursuit of Happyness). Direção de Gabriele Muccino. Produção de Louis D’Esposito, Mark Clayman, David Alper, Teddy Zee. Intérpretes: Will Smith, Jaden Smith, Thandie Newton. Roteiro: Steven Conrad. Música: Andrea Guerra. EUA: Columbia Pictures, 2006. (117 min.), som, colorido. Legendado. Baseado em: “The Pursuit of Happyness”, de Chris Gardner e Quincy Troupe.
CARDOSO, Claudia Lins. “Sobre as Dores de Existir: uma Introdução à Psicopatologia em Gestalt-terapia”. In: CARDOSO, C. L.; GIOVANETTI, J. P. (org.). “Sofrimento Humano e Cuidado Terapêutico”. Belo Horizonte: Artesã, 2019. p. 75-110.
PERLS, Frederick S.. “A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia”. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1978. 212 p. Tradução: Jose Sans.
RIBEIRO, J. P.. “O Ciclo do Contato: Temas Básicos na Abordagem Gestáltica”. 2. ed. São Paulo: Summus, 1997.
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