Amor e outras drogas

Tenho recebido em meu consultório muitas pessoas que se sentem incompletas dentro de um relacionamento, mas precisam dele para se sentirem ainda menos incompletas. Há algum tempo, ouvi uma frase interessante e, desde então, a carrego comigo: “Em um relacionamento, procuramos a nossa metade, mas duas metades só fazem um inteiro; logo, alguém sempre estará incompleto”.

Rollo May (1973) afirma que não há dúvidas de que a infelicidade, a incapacidade de tomar decisões, a falta de objetivos na vida, o desespero, entre outros sintomas, não são privilégios de nossa época. Para ele, esses sintomas sempre acompanharam o ser humano, mas “o problema fundamental do homem é o vazio. Com isso, quero dizer não só que muita gente ignora o que quer, mas também que frequentemente não tem uma ideia nítida do que sente”.

Quando as pessoas conseguem falar de suas dificuldades em tomar decisões, revelam que não têm clareza de seus próprios desejos e necessidades. Desta forma, sentem-se vazias e sem lugar, buscando então em seus companheiros o preenchimento dessa falta, desse vazio íntimo. No entanto, quando os cônjuges não conseguem satisfazer as suas expectativas, as pessoas ficam ansiosas, frustradas e zangadas.

É importante pensarmos de onde vem esse vazio. Geralmente, quando descrevemos o que queremos, acabamos descrevendo o que é esperado de nós. “Sou apenas uma coleção de espelhos refletindo o que os outros esperam de mim”. Apesar de hoje o que esperam de nós não ter um papel tão importante em nossas escolhas, saber que algo é esperado compromete nossa própria percepção do que realmente é importante.

O que chega à terapia quase nunca tem relação com as lutas contra as proibições sociais, mas mais frequentemente são os próprios limites, normas e regras que cada indivíduo estabelece para si mesmo que os limitam. Existe um receio do julgamento do outro, mas, com frequência, esse julgamento que o outro pode fazer entra em conflito com o julgamento que o próprio indivíduo faz de si.

O medo de estar sozinho dificulta o encontro consigo mesmo e, consequentemente, dificulta o reconhecimento do que realmente é importante para si. Assim, quando uma pessoa percebe que não há segurança em suas metas e planos, apavora-se e busca nos outros o consolo para suas próprias inseguranças. “O vazio e a solidão são, portanto, duas faces da mesma experiência básica da ansiedade”.

O ser humano precisa da troca com o outro até para se orientar na vida, mas também se relaciona com o outro para fugir da sensação de isolamento. Esse medo do isolamento “emerge do fato de que a nossa sociedade dá muito valor à aceitação social. Esta é a nossa melhor maneira de afastar a ansiedade e o principal símbolo de prestígio”.

A negação da solidão faz com que o desejo de alguém em estar só, caso não seja para descansar, seja questionado quando expresso aos outros. Se alguém faz a escolha de se manter isolado, os outros tendem a achar que essa pessoa fracassou, já que para eles é “inconcebível que uma pessoa fique sozinha por livre escolha”. O medo de estar sozinho encontra-se com o medo de estar consigo mesmo. E o que isso significa? Quando não há barulho, não há distrações; há apenas o temor de ficar perdido, pois “todo ser humano adquire grande parte do senso de sua própria realidade pelo que os outros dizem e pensam a seu respeito”.

O apego ao outro, a aceitação social, é importante para as pessoas, pois as mantém afastadas da sensação de isolamento. No entanto, compromete “a única coisa que ajudaria positivamente a vencer a solidão a longo prazo, isto é, o desenvolvimento de seus recursos interiores, da força e do senso de direção, para usá-los como base de um relacionamento significativo com os outros seres humanos”. Os homens incapazes de se modificarem, de fazerem trocas com os outros, de se aceitarem e de se conhecerem, acabam tornando-se seres solitários, mesmo que se apoiem nos outros, “pois gente vazia não possui a base necessária para aprender a amar”.

Referências Bibliográficas:
MAY, Rollo. O Homem à procura de si Mesmo. 4ª Ed., Petrópolis: Vozes, 1973.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Aproveite para ler outros posts

Cadastre-se para receber a minha newsletter e fique por dentro sempre que sair um novo post

Este site utiliza cookies para melhorar a sua experiência de usabilidade. Ao continuar a utilizar este site, você concorda com a nossa política de privacidade.